2013/03/14

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As Crônicas de Charn [Cap.XI]

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Classificação indicativa: Não recomendado para menores de 16 anos.
As Crônicas de Charn Apocalipse:
— Afinal, a vida é uma grande armadilha. [Capítulo XI]

Oh, diabólico espelho era aquele, composto por um vidro rispidamente espesso, — de profundidade enlouquecedora, aliás, tal como a sensação de estar preso em um recinto sombrio e extremamente arejado, transformando a possibilidade do mais piedoso pedido de socorro ser atendido em um mero sonho longínquo. — e molduras subliminares: expunha desenhos com traçados curiosos à bege tinto, representando mentecaptos, entorpecidos e alguns corpos executados, que acumulados em bandos e em seguimento vertical, revelavam os caracteres da palavra “aflição”, estranhamente. A vidraça tinha aspecto pernicioso. De certa forma, era fonte interrupta dos mais terríveis pesadelos e de depressões arrasadoras. O menino, ao observá-lo atentamente de baixo a cima, viu ao longe, numa espécie de nuvem e nevoeiro ensombrado, um casal sendo decepado. Contemplando mais uma vez e com maior atenção, compreendeu que estava assistindo o perecimento de seus pais, repetidamente.

A reação de Eli com o devaneio de seus entes queridos, fora simples. No entanto, de uma simplicidade nobre e sem opções, afinal, caberia até ao mais forte e inteligente dos guerreiros, apoiar-se aos joelhos machucados e esconder os olhos em suas próprias mãos e dedos. Ele não fizera diferente. Ora, era apenas um garoto escasso da afabilidade paternal em busca de vingança, o destino lhe guiara para o sofrimento. Perdera os pais e, assim, queria alterar o passado, aspirando um futuro com ao menos um pingo de felicidade; o que jamais tivera. 


A criança infeliz convivia com fitadas e afrontamentos dos em sua volta, assemelhadas a risadas torturantes do maluco cabeleireiro, que finalmente chegara próximo ao seu encontro. Prestes a subir os três degraus de acesso àquele terreno plano, o ruivo estouvado declarou, apertando o canivete com tamanha força, que suas veias saltaram e seus músculos contraíram: 


— Como eu gosto deste trabalho! Vamos tornar tudo isso mais interessante. — entrementes, adiantou-se e cortou o pano sujo e estraçalhado que Eli usava como única cobertura e vestimenta para seu corpo em dias álgidos e, em seguida, esboçou uma cruz nas costas arrepiadas, ossudas e despidas do jovem, já a berros. — A condenação de seus últimos suspiros! Toda vez que pensar na bondade, veja essa cruz e lembre-se que só há maldade! Toda vez que recordar-se de bons momentos, esfregue estas costas contra algo, então, veja a tal cruz brilhar sanguinariamente e sinta dor, uma prazerosa dor... E nunca se esqueça da navalha que a desenhou... Agora, olhe para este espelho, veja o reflexo de seu rosto molhado e o sangue que despenca como uma cachoeira de suas costas! Vamos, ria, há algo mais engraçado?! Vamos, vamos nos divertir com a sofreguidão... Ah, como é gostoso e excitante. 

Pobre menino. Seu esqueleto tremia de cansaço, sua boca estava demasiadamente seca e seus olhos, bem, se possível fosse, desatariam lágrimas cor do Sol. Contudo, nada o condenava como a desonra. O sentimento desgostoso era tanto, que, hora outra, desesperava-se no experimento de fuga, porém, só resultavam em cada vez mais doloridas facadas no abdômen. 

Após alguns minutos de insultos, agressões e intimidações do cruel homem de cabelo cor de fogo, o ápice chegou. O tal indivíduo bruto e doente agarrou os cabelos longos da criança e de forma teatral, começou o corte. Era de fato algo agonizante. A cada fio que bailava rumo ao chão, Eli lastimava o descrédito, a risos de atrocidade. Cabia ao demente delirar, então, com ajuda de sentinelas, induziu a multidão a aplausos e clamores: “Gracejamos a amargura!”; estes transtornavam o órfão por inteiro. Quando, finalmente, sorriu ao ver o pequeno calvo e falecido interiormente, o maluco bradou:


— O mais novo detido! O mais novo que terá seu coração retirado... Que tal começarmos? O “D” da desgraça, — ele insinuou, enquanto “redigiu” a primeira letra da temida palavra “D.O.P.S” no crânio cru do garoto. — O “O” da opressão, — proferiu quando “escreveu” a seguinte, a segunda letra da tal palavra com a sua navalha. — O “P”, o fim da piedade! — exclamou, “cicatrizando” a penúltima letra na cabeça do menino. — E, por fim, o “S” da eterna solidão, porque a única que nunca lhe abandonará, é a morte! Fiel é a morte! — emitiu no exato instante em que o rapaz gemeu por cortes em sua cabeça, atalho de movimentos circulares. — Bem-vindo a vida após a pior das mortes, cativo número 873.

“Possui a explicação do porquê de minha utilização das mais variadas facas e lâminas, ingênuo garoto? As outras armas matam de maneira rápida demais.”

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NOTA: A história tem como base a crônica "The Magician's Nephew" do escritor C.S.Lewis; nesta, o mundo Charn é citado.

Idealizado por Rodrigo Carvalho;
Escrito por Luis Henrique;


Enfim todos poderão ter "As Crônicas de Charn: Apocalipse" em mãos. Próximo ao término das postagens de capítulos aqui, no Skandar Keynes BR, será publicado o livro desta renomada história. Aguardem novidades.

Todos os direitos reservados: Luis Henrique e Rodrigo Carvalho.
Qualquer tentativa de plágio do conteúdo, acarretará a rigorosas punições aos valores autorais.


Este capítulo é dedicado ao falecido ator australiano Heathcliff Andrew "Heath" Ledger, que viveu o personagem Coringa( Bill Finger e Bob Kane ) no filme "The Dark Knight"(2008). O ator morreu dias antes da estréia do filme e, devido sua marcante atuação no papel do psicopata piadista, ganhou o Oscar do ano como melhor ator coadjuvante. Descanse em paz, Heath, e obrigado pela fonte de inspiração. 

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