2013/04/11

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As Crônicas de Charn [Cap.XV]

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Classificação indicativa: Não recomendado para menores de 16 anos.
As Crônicas de Charn Apocalipse: — Akashi Tremore! [Cap. XV].

— Venha consternado órfão. Venha, siga-me, pois a agonia lhe aguarda... Por que tremulante, moleque? Sabe, para eles, você não passa de uma aberração, assim como minha pessoa. Relaxe. Não ousam matar tão rapidamente seus miseráveis de estimações, pretendem assistir os mesmos com a pequena língua de fora esperando a tragédia. Caso todo esse desespero seja motivado pelo anseio de mais dias de vida, não se preocupe, os terá vagarosa e tracejadamente... Se é que me entende... — aconselhou e comunicou (leia-se por amedrontou) Lenir, já do lado de fora da cela e pronunciando de costas ao menino. A mulher fazia gestos medonhos como quem demonstra ter ambas as mãos lavadas, no caso, pelo mais meloso e comunal sangue das previsões. — Está preparado para ter sua pele queimando, enquanto venera a nossa mãe? A verdadeira, que nunca nos abandona? Venha, fedelho. — Eli cedeu e o fez após certa desconfiança e insegurança; afinal, haveria maior sofrimento que até então? A resposta resume-se em uma abreviação: D.O.P.S.
As chamadas da dor estavam distantes de serem mera coincidência. A começar pelas fisionomias desgostosas. Rostos pálidos expondo olhares ao chão e ao teto pedregoso por algum sinal de salvação, provavelmente são incomuns, mas ali, feições desesperadas faziam parte do dia-a-dia. Expandindo a estranheza, posteriormente, o ato de despir-se; os prisioneiros pela sua maior parte, com exclusões aos recém- convidados, desvestiam seus trajes acima e abaixo à cintura, revelando medulas e costelas saltadas (a cada homem detento era entregue, nos primeiros dias de estadia, um sinto de castidade, na precaução de estupro as poucas mulheres prisioneiras, reservadas aos guardas de maior poder). Tudo encerrado pelo ribombar de um sino. Entretanto, este último ruído demonstrava algo a mais; seu toque com intervalos de quinze segundos jamais seriam simbológicos. Sim, existia um significado. A percussão pausada exprimia, ou tentava exprimir, o sentimento dos cativos daquele inferno, a sensação da crença na existência da redenção no ato de opressão a chicotadas, mutilações e tantas outras façanhas da melancolia. Cabia, então, a interrupção dessa esperança: o badalar do padecimento, que permanecia ativo durante completa tortura. Sendo assim, restava a um indivíduo encerrar a tolerância e preparar psicologicamente os penitenciários aos exercícios letais:

— Estão entusiasmados, colegas sofredores? Nunca se esqueçam do motivo de estarem aqui, em tempo nenhum! Vocês são convidados pela dor, expulsos da paz. Repitam! — de repente, a tal voz, a encarregada da preparação pré-alucinações, estalou um chicote. Deduzo que três quartos dos escravos compreenderam o porquê do tal estalo, pois, ao fim, todos repetiram a frase do guarda, que ecoou monstruosamente passagem adentro; “demoníaco”, como pensaram. “Somos convidados pela dor, expulsos da paz.” Reprisaram os servos da ingratidão em seguida, inclusive Eli. 

O apogeu aflitivo dava boas-vindas. Na duração de um falecimento naquela prisão, emergiu-se uma marcha prisioneira. Pés descalços, enrugados e extremamente machucados encontravam o chão, ordenados, segundo ou outro, a aumentar a intensidade. Os passos pouco se alongavam; pegadas lentas e secas. Igual e involuntariamente, a captura 863 permanecia atrás de Lenir, ambos na décima quinta coluna. Logo, somente avistavam corpos cobertos pela sombra e, à frente, muitos metros adiante, uma luz cinzenta e extrema davam-lhe dores na visão. Passaram-se trinta minutos, — porém para o garoto e companhia, exclusivamente quatro ou cinco — quando a totalidade mortal foi interrompida por um coro de vozes desanimadas e vergonhosas: 

O Sol nos abandonara, 
Oh trevas, somos seu alimento. 
Os portões se abrirão, 
A nudez das cicatrizes nos dominará.

Chicoteados seremos, incinerados depois. 
Ao ribombar do sino, o castigo nos enlouquecerá, 
Feliz é aquele se suicidar. 

Jadis, Imperatriz da nossa insignificância, 
A você serei lixo. 
Sofrerei, terei meu corpo em pedaços, tudo a você.
Engula-nos! Somos a pior das fezes, a pior das inutilidades. 
Teremos nosso corpo apodrecido em suas mãos. 

Akashi Tremore! 

Akashi Tremore! 

Akashi Tremore! 


O jovem uniu-se ao clamor, mesmo só compreendendo depois que se tratava de um ritual diário e as punições acarretadas na ausência da participação eram severas. — “Akashi Tremore!” na língua dos feiticeiros ou “Escravos da desgraça!”, bradava ele. —Eli tinha em si a intuição de que a primeira de suas dores derradeiras estava próxima, pois o enorme grupo já caminhava em direção ao amedrontamento. Contudo, a questão do futuro o assolava e desolava ainda mais. Tudo iniciara uma semana atrás. Partira prestes ao inicio do inverno, assegurando o jorrar de sangue de pelo menos um agente de sua queda infinita. Conheceu espíritos e doentes dias depois, todavia, lidara sabiamente com tais afrontamentos. — “Akashi Tremore!”, continuava berrando o órfão, mediamente distante do ponto inicial. — Numa certa tarde chuvosa, uma armadilha diabólica o aguardava e apanhou-lhe, D.O.P.S. Vivenciou o mais horrível solstício invernal, até então. — “Akashi Tremo...”, não terminou o rapaz, pelo espanto em finalmente observar o atormentado pátio, onde alguns já conheciam o pânico. Assustou-se, analogamente, ao perceber que a advertência grossamente iniciadora do culto, a qual ouvira nos fundos, provinha de um conhecido homem grandalhão. Este discutia com dois adolescentes de roupagens desgastadas e de expressões similares. — Afirmo seguro: as catástrofes, dramas interiores e exteriores do infeliz, singelamente começavam. 
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NOTA: A história tem como base a crônica "The Magician's Nephew" do escritor C.S.Lewis; nesta, o mundo Charn é citado.

Idealizado por Rodrigo Carvalho;
Escrito por Luis Henrique;


Enfim todos poderão ter "As Crônicas de Charn: Apocalipse" em mãos. Próximo ao término das postagens de capítulos aqui, no Skandar Keynes BR, será publicado o livro desta renomada história. Aguardem novidades.

Todos os direitos reservados: Luis Henrique e Rodrigo Carvalho.
Qualquer tentativa de plágio do conteúdo, acarretará a rigorosas punições aos valores autorais.

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